sábado, 8 de fevereiro de 2014

Institucional 01: A compra de um automóvel antigo





Creio que, apesar de ainda ser jovem, acompanhei meu pai durante quase 3 décadas na escolha de um automóvel antigo para comprar. Vi muitos automóveis bons e automóveis ruins sendo restaurados. Hoje, já com um conhecimento adquirido, vejo muitas coisas interessantes por ai. Cito alguns exemplos: Automóveis comuns em péssimo estado recebendo fortunas em uma restauração que custará duas vezes o valor de mercado do carro; automóveis bons sendo transformados em hot com gastos iguais ao de um automóvel ruim sem chances de recuperação; carrocerias raras cortadas para hot rod. Portanto, gostaria de abrir um tutorial, com visão de quem conhece e conversa com outras pessoas que também conhecem. Nesta primeira parte, versarei acerca da escolha de um automóvel antigo, colocando a axiologia de um clássico. 

Packard de carroceria Saoutchik: Fechado, mas de altíssimo valor perante outros Sedãs.

1-O preço. O fator mais determinante para a maioria é o preço da compra. Porém, um bom preço, às vezes, é algo que sai caro: muitos automóveis bonitos aos olhos escondem muita maquiagem e problemas, os quais podem ser analisados até mesmo como vícios redibitórios. Automóveis da década de 20 e 30, geralmente, são mais difíceis de serem examinados na hora da compra. Isto é uma relatividade, haja vista o advérbio "geralmente" empregado antes do verbo ser. Sim: Há exceções. Um exemplo clássico é o Ford modelo "A": um dos poucos automóveis do final da década de 20 sem estrutura de madeira em sua carroceria, e com vasta lista de peças à venda no mercado. Ai que vem a relatividade: Outros automóveis, como os Chevrolets Capitol e National (popularmente conhecidos como Cabeça de Cavalo e Pavãozinho) ainda apresentavam madeira em sua estrutura. Automóveis da Chrysler (nela incluo a Maxwell, seu nome original) também tinham grandes partes de madeira em suas estruturas. 
Alguns Chevrolet Capitol tinham estrutura de madeira

Portanto, sempre é boa a análise estrutural neste tipo de veículo. O preço, portanto, é a coisa mais importante na hora da compra. Por ser alto ou baixo, o preço é calculado ao final do resultado para um automóvel de coleção: A originalidade e o estado. Afinal, todos compramos um clássico pensando em torná-lo todo original e em perfeito estado, como se acabasse de sair da fábrica. Às vezes, vale mais a pena pagar mais caro em um automóvel nunca restaurado do que comprar um automóvel restaurado de forma duvidosa. Como identificar isto? Bem, é ai que está o problema: Às vezes, há tanta massa e soldas mal feitas que acabamos nos ludibriando. O mais certo é pedir histórico, ver quem eram os antigos donos e, principalmente, exigir fotos antigas (anos 80 e 90) do automóvel. Um automóvel com placa preta, necessariamente, é um automóvel bem cuidado. Hoje, com o Google, basta uma pesquisada e uma comparação em fotos, para saber se pára-choques, cor de estofamento e pintura estão em acordo com a época. Há Spotters Guide e outras tabelas de fábrica para essas dúvidas. Quando eu disse sobre a dificuldade de exame em automóveis de 1920 e 1930, deixei a ressalva do advérbio "geralmente". Disse porque muitos clássicos de 1940 em diante têm mais cromados, frisos e, principalmente, componentes mecânicos mais modernos. Cito de exemplo os câmbios, que passaram a automático, especialmente nas linhas GM e Chrysler (Fluid Drive e automáticos). Olhando uma Belair 1956, por exemplo, podemos examinar de primeira o estado de frisos e os relevos da lataria, torando mais "fácil" o trabalho na hora de uma avaliação. Mas é na mecânica que também se esconde o perigo: Muitos automóveis eram originalmente V8 de transmissão automática, que davam problemas por conta da falta de cuidado e de manutenção que eles sofriam quando novos. O que isto levava: Ainda novos, no final dos anos 50, era muito comum que ganhassem motores 6 cil em linha e transmissão manual. Pelos números do chassis e da plaqueta de carroceria, é possível de se saber se eram V8 ou 6 cil, ou se eram automáticos. Uma Belair adaptada tem valor de mercado sensivelmente abaixo de uma original. Por isto, sempre é bom tomar cuidado. Também é bom avaliar o estado do conjunto mecânico, como o bom funcionamento do câmbio e análises de fluídos com um mecânico especialista. A retífica de um conjunto motor V8 automático pode chegar a valores altíssimos, quase iguais à metade do valor de um automóvel pronto.
As Belairs V8 Automáticas Sport Coupe e Conversíveis têm maior valor de mercado

2-O modelo. JAMAIS faça uma restauração cara em um automóvel comum. Ou seja: Jamais gaste muito em um automóvel que é passível de ser encontrado pronto e com placa preta. Cito alguns exemplos: Sedãs de duas ou quatro portas e camionetes. Já vi gente gastando fortunas em Aero Willys, Chevrolet Style Line 1951, Ford Landau 1978, Chevrolet 3100 "Brasil" 1961, Ford DeLuxe Sedan 1947, Chevrolet Fleetmaster 1948 dentre outros. Fuja disto: Há automóveis em muito bom estado no mercado, que precisam de, no máximo, um tapa no visual. Um mesmo exemplo para automóveis iguais: Um Belair Conversível de 1951 e um Style Line. Ambos teriam os mesmos valores gastos em uma restauração completa, com um pouco mais (coisa de 6 mil reais) para o conversível por conta da capota. Porém, ao final das contas, um Style Line, por melhor que seja a restauração, jamais irá valer acima dos 50 mil reais, enquanto o conversível terá condições de valer 100 mil reais. E até mesmo para carros mais nobres, como a Cadillac, a história se repete: Em termos de valor de coleção, uma coupe e conversível sempre terá valor na casa do dobro em relação a uma fechada - e nisto incluo as limousines Séries 75: podemos importar uma 1941 em perfeito estado na casa dos 25 mil dólares, enquanto uma conversível 1941 é encontrada por 75 mil dólares. Em estado de restauração, os valores se aproximam para ambos. Então todo cuidado é necessário na hora da escolha. 
Por mais acessórios de época que tenham, sedãs da Chevrolet são encontrados prontos a bons preços

3-Cuidados com automóveis a serem importados. Recentemente, vi um Rolls Royce 20/25HP da década de 1930 sendo importado. Carroceria Hooper, normal, saloon com divisória para o motorista. Aos olhos de um leigo, este automóvel certamente irá impressionar. Porém, aos olhos de um entendido, não. E, geralmente, um Rolls Royce no mercado precisa ser de carroceria grande ou conversível para chamar a atenção dos colecionadores deste tipo de automóvel. Geralmente, quem coleciona Rolls Royce, quer um Phatom I aberto. Em termos de valores: Um Twenty para restauração chega na casa dos 25 mil dólares, enquanto um P1 fechado custará em torno de 40 mil dólares. São 15 mil dólares na diferença, o que chegaria a 60 mil reais no final da importação. Porém, após toda restauração, o P1 terá mais valor e, quando necessária a venda, os 60 mil reais se transformarão em 150 mil reais na diferença de preço. 
Packard Twelve carroceria Dietrich de 1935: Vale muito mais do que um sedã 120 do mesmo ano

4-A série e o tipo. Pouca gente sabe, mas até mesmo um Packard de 1935 pode valer de 15 mil dólares até mais de milhão de dolar. Isto é uma coisa conhecida como série e tipo: Um Packard tipo 120 Sedã é um automóvel relativamente comum. Já um Packard tipo 1208 conversível com carroceria especial Dietrich pode chegar a mais de um milhão de dólares. Este é apenas um exemplo extremo do que digo. Mas o aviso é bom: Não é porque é um Packard, que você irá desembolsar 120 mil reais por um 120 Sedan de 1935, pois dá para se conseguir um no exterior por um valor próximo a 80 mil reais já desembarcado no Brasil. Porém, a maior incidência fica por conta de automóveis de marcas mais comuns. Darei exemplos para Buick, Dodge, Oldsmobile e Pontiac: Buick Special tem valor menor do que o Century e o Roadmaster. Dodge vinha ao Brasil por CKD, e não passavam de Plymouth desmontados com grade e emblemas diferentes - são assim os D25 e Kingsway; portanto, dê preferência aos D24 e Coronet, que são americanos; Quanto aos Dodges mais antigos, sempre dê preferência para os modelos de Oito Cilindros fabricados entre 1929 e 1934. Sobre Oldsmobile, sempre dê preferência a carros de carroceria grandes (séries 80 e 90) e com oito cilindros (tipos 88 e 98) - o câmbio Hydramatic também é um diferencial no valor; Pontiac também é bom salientar: Há séries Custom, com carrocerias grandes que se equivalem aos Buicks e Olds médios - sempre dê preferência aos topos de linha. O resumo é: Nunca avalie um automóvel pela marca, mas sim pelo tipo, carroceria e série. Se forem os tipos mais caros, as carrocerias mais raras e as séries especiais, teu automóvel terá um valor maior do que um automóvel comum. Então nunca pague acima da realidade em um automóvel que você encontrará por um valor menor no exterior, onde são iguais a VW Sedan ou Opala 4 portas para nós!  


3 comentários:

  1. João, mais uma vez seu texto é excelente e denota seu vasto conhecimento na temática exposta. Contudo,
    permita-me ressalvar um aspecto que talvez não tenha sido contemplado: os carros comprados ou restaurados
    sem que haja motivação financeira.
    Muitas vezes um carro antigo não é restaurado para se investir ou ganhar dinheiro em cima. Trata-se
    da restauração de sonhos, épocas, pessoas e vidas. Não podemos voltar no tempo e trazer pessoas e
    coisas queridas de volta à vida material, mas muitas vezes um carro antigo nos faz reviver tudo isso e mais.
    "JAMAIS faça uma restauração cara em um automóvel comum" - Se eu reencontrasse o reles Chevrolet 1948
    Fleetline o qual pertenceu a meu avô materno, não me importaria em gastar 150 mil Reais para
    vê-lo novamente em perfeito estado. É evidente que o valor citado seria suficiente para comprar duas unidades
    do mesmo veículo. Portanto, o advérbio em caixa alta pode estar sendo utilizado somente
    no aspecto comercial, como um valioso aviso para quem está trabalhando em um veículo antigo ainda atento
    às questões monetárias, de mercado.
    Você tem toda razão quando, no tocante ao aspecto comercial, argumenta que não há lógica em se investir
    um valor muito mais alto que o preço de mercado do carro em si. É que, para muitos casos, a lógica comercial
    não é levada em conta por motivos emocionais.
    Além disso, salvar um carro antigo o qual estaria destinado às cinzas pode ser mais prazeroso que comprar
    um pronto, restaurado. Quem lê isso não imagina o quanto sofri(sofro) por conta dos "profissionais" da
    restauração, mas é outro aspecto a ser levado em conta, principalmente quando você quer um simples
    Chevrolet 51 4 portas mas não consegue achar um exemplar devidamente restaurado nas cores Thistle Gray com
    Trophy Blue, igual ao que seu padrinho possuíra na juventude...
    "Às vezes, vale mais a pena pagar mais caro em um automóvel nunca restaurado do que comprar um automóvel
    restaurado de forma duvidosa" - talvez esta seja a sentença mais importante do seu texto, ainda mais quando
    vemos inúmeros anúncios de carros "restaurados" os quais, apenas por fotos, já podemos considerar mal feitos.

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  2. Legal o tema, realmente ainda restauramos os autos mais antigos seguindo mais o gosto pessoal do que as especificações de fábrica. Isso pode significar que pesquisamos pouco sobre o veículo antigo que compramos, não sabemos buscar informações sobre os autos sejam na internet ou literatura especializada, e gostamos de fazer muitas "licenças poéticas" nos autos antigos.
    Coisa simples, tipo a primeira foto do Ford A 1930 vermelho acima - não vinha em vermelho, a parte de lata sobre o estribo e abaixo da cintura do auto eram pintadas de preto e não vermelho e uma coisa que chega a ser impressionante de se constatar e que o Brasil deve bater recorde, a barra de fixação dos faróis do modelo A 1928/1931 são pintadas e não cromadas, no entanto todos os modelos A restaurados no Brasil tem essa barra cromada... Porque eram pretas: Primeiro porque era um auto que tinha que ser barato, segundo porque a barra preta se confunde com o preto dos para-lamas e do radiador e ficava disfarçada. Raramente pintamos um auto USA dos anos 50 pra trás nas cores originais, e olha que hoje já existem muitas cores originais já em fórmulas atuais poliuretano e poliéster e que a tecnologia avançou bastante e hoje se faz qualquer cor e tom.
    Para finalizar esse lance de "fazer licenças poéticas" nos autos antigos, certa vez fui ver uma Porsche 1956 recém importado dos USA, o auto estava em ótimo estado de conservação e, conforme me contaram, estava rodando normalmente. Quando cheguei para ver o auto, o dono tinha chamado um eletricista que sugeriu que ele trocasse para uma bateria de 12 volts, e assim o fez o proprietário sem pensar porque será que o ex proprietário nos USA mantinha o 6 volts. O resultado é que, ao ligar o antigo Porsche, queimou toda a parte elétrica, inclusive instrumentos do painel... provavelmente achou que fosse simples e que teria descoberto o "pulo do gato" que nem os donos anteriores teriam tido a brilhante ideia... resultado prejuízo grande e um auto que vale menos...
    Paulo

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  3. Excelente texto, gostei muito. Em se tratando de restauração, é necessário ter bons olhos e separar o que efetivamente vale a pena ser restaurado. Muitas pessoas investem fortunas para recuperar exemplares que simplesmente não terão retorno algum. E caem na falácia de que carro antigo não tem preço. Ledo engano.

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